Hécate,
do grego clássico: Ἑκάτη Hekátē ou Ἑκάτα Hekáta; transl.: Hekátē.
Epítetos: Aidônia (Senhora do
Submundo), Anassa eneroi (Rainha dos que estão abaixo), Atalos (terna,
delicada), Brimô (irritada, terrível), Ctônia (do submundo),
Enodia/Einodia/Ennodia (das encruzilhadas, dos caminhos), Kleidouchos
(mantenedora das chaves), Kourotrophos (cuidadora/nutridora dos jovens), Koré
Mounogenês (donzela filha única), Krataiis (a forte), Liparokrêdemnos (de
brilhante tiara no cabelo), Nyktipolos (que vaga pela noite), Perseis (filha de
Perseu), Phosphoros (portadora da luz), Propylaia (guardiã), Soteira
(Salvadora), Skylakagetis (líder dos cães), Tricephalus (de 3 cabeças),
Trioditis/Trivia (dos 3 caminhos), Trimorphis (de três formas).
Símbolos:
Tochas, chaves, corda, faca.
Ofertas:
Teixo,
cipreste, aveleira, álamo negro, mirra, algália, cânfora, babosa, sangue
menstrual, mugem vermelha, pão, ovos, queijo, mel.
Animais:
Cachorros pretos, touros pretos, cordeiros pretos, corujas, corvos, cobras,
sapos.
Cores:
Preto e vermelho.
Domínios:
Bruxaria, Fantasmas
Plantas:
Ervas, Asfódelo
Na
mitologia grega, é uma deusa, naturalizada na Grécia micénica ou na Trácia, mas
oriunda das cidades cárias de Anatólia, região onde se atestam a maioria dos
seus nomes teofóricos, como Hecateu e Hecatomno, e onde Hécate era vista como
Grande Deusa em períodos históricos, no seu inigualável lugar de culto em
Lagina. Deusa das terras selvagens e dos partos, era geralmente representada
segurando duas tochas ou uma chave, e em períodos posteriores na sua forma
tripla. Estava associada a encruzilhadas, entradas, fogo, luz, a lua, magia,
bruxaria, o conhecimento de ervas e plantas venenosas, fantasmas, necromancia e
feitiçaria. Ela reinara sobre a terra, mar e céu, bem como possuía um papel
universal de salvadora (Solteira). Ela era uma das principais deidades adoradas
nos lares atenienses como deusa protetora e como a que conferia prosperidade e
bênçãos diárias à família.
Hécate
pode ter origem entre os Carianos na Anatólia, onde variações do seu nome são
usadas para dar nome a crianças. William Berg observa, "Como as crianças não
recebem nomes de espectros, é seguro assumir que os nomes carianos envolvendo
hekat- referem-se a uma deidade principal livre da escuridão e de ligações com
o submundo e bruxaria associadas à Hécate da Atenas clássica." Ela
também parece associada à deusa romana Trivia, com a qual foi identificada em
Roma.
Deusa
aparentada a Artemis, não possui um mito próprio. Profundamente misteriosa, age
mais em função de seus atributos. Embora descenda dos Titãs e seja portanto
independente dos deuses olímpicos, Zeus, todavia, lhe conservou os antigos
privilégios e até mesmo os aumentou. Em princípio, uma deusa benéfica, que
derrama sobre os homens os seus favores, concedendo-lhes a prosperidade
material, o dom da eloqüência nas assembléias, a vitória nas batalhas e nos
jogos, a abundância de peixes aos pescadores. Faz prosperar o rebanho ou o
aniquila, a seu bel-prazer. É a deusa nutriz da juventude, em pé de igualdade
com Apolo e Artemis. Eis aí um retrato de Hécate na época mais antiga. Aos
poucos, todavia, Hécate foi adquirindo características, atributos e
especialização bem diferentes. Deusa Ctônia, passou a ser considerada como
divindade que preside à magia e aos encantamentos. Ligada ao mundo das sombras,
aparece aos feiticeiros e às bruxas com uma tocha em cada mão ou ainda em forma
de diferentes animais, como égua, loba, cadela. Tida e havida como a inventora
da magia, o mito acabou por fazê-la penetrar na família da bruxaria por
excelência: Eetes, Circe e Medéia. É assim que tradições tardias fizeram-na Mãe
de Circe e, por conseguinte, tia de Medéia. Como mágica, Hécate preside às
encruzilhadas, local consagrado aos sortilégios. Não raro suas estátuas
representam-na sob a forma de mulher com três corpos e três cabeças.
Hécate
é a deusa dos mortos, não como Perséfone, mas como divindade que preside às aparições
de fantasmas e senhora dos malefícios. Empunhando duas tochas e seguida de
éguas, lobas e cadelas é a senhora todo-poderosa invocada pelas bruxas. Seu
poder terrível manifesta-se particularmente à noite, à luz bruxuleante da Lua,
com a qual se identifica. Deusa lunar e ctônia, está ligada aos ritos da
fertilidade. Sua polaridade, no entanto, já foi acentuada: divindade benfazeja,
preside à germinação e ao parto, protege a navegação, prodigaliza prosperidade,
concede a eloquência, a vitória e guia para os caminhos órficos da purificação;
em contrapartida, possui um aspecto terrível e infernal: é a deusa dos
apavorantes. Mágica por excelência, é a senhora da bruxaria. Só se pode
esconjurá-la por meio de encantamentos, filtros de amor ou de morte. Sua representação
com três corpos e três cabeças presta-se a interpretações simbólicas de
diferentes níveis. Deusa da lua pode representar-lhe três fases da evolução:
crescente, minguante e lua nova, em correlação com às três fases da evolução
vital. Deusa ctônia, ela reúne os três níveis: o infernal, o telúrico e o
celeste e, por isso mesmo, é cultuada nas encruzilhadas, porque cada decisão a
se tomar num trívio postula não apenas uma direção horizontal na superfície da
terra, mas antes e especialmente uma direção vertical para um o para outro dos
níveis de vida escolhidos.
A
grande mágica das manifestações noturnas simbolizaria ainda o inconsciente,
onde se agitam monstros, espectros e fantasmas. De um lado, o inferno vivo do
psiquismo, de outro uma imensa reserva de energias que se devem ordenar, como o
caos se ordenou em cosmo pela força do espírito.
A
Hécate é que cabe a missão de chamar as Erínias vingadoras que se apoderam dos
culpados. Hécate, divindade infernal, que preside os encantamentos e a magia, chama-se
às vezes tripla Hécate, por se lhe estender o poder simultaneamente no céu, na
terra e nos infernos. Aparece na arte como espécie de tríada composta de três
mulheres. A primeira traz na cabeça o crescente da lua, e em cada mão um facho;
a segunda tem a cabeça radiada e ornada de um gorro frígio; tem uma faca e uma
serpente; finalmente, a terceira segura cordas e chaves.
Hécate
não desempenha na Fábula papel nitidamente acentuado, e o seu caráter lunar fez
com que, às vezes, a confundissem com Artemis. Fora está a primeira em perceber
o rapto de Core [mais tarde Perséfone], e pusera-se a procurá-la com os seus
fachos. Na guerra dos gigantes, colocara-se, apesar de pertencer ao partido dos
Titãs, ao lado de Zeus, e matara com o fogo dos fachos o gigante Clítio. A cena
está representada num baixo-relevo antigo, onde Hécate se distingue
perfeitamente de Artemis que combate ao lado dela com o arco e as flechas.
Aliás já não tem o caráter de tríada de que somente se reveste em determinadas
ocasiões.
Hécate
não era na origem uma divindade infernal, mas tendo emprestado uns disfarces a
Europa, facilitando assim os amores de Zeus, tornou-se odiosa a Hera e foi
obrigada, para evitar uma perseguição, a ocultar-se sob um lençol, o que a
tornou impura. As cabiras, por ordem de Zeus, purificaram-na no Aqueronte, e
desse modo passou a ser deusa do Tártaro. O seu papel nos infernos tem duplo
aspecto. Como divindade vingadora, preside às expiações; como deusa da magia,
preside os encantamentos, e é ela que envia à terra os monstros evocados dos
infernos.
Hécate
é a grande mágica que se invoca para os encantamentos: detém-se nas
encruzilhadas, perto dos túmulos, e quando sente o cheiro de um crime, faz que
ladrem os cães infernais que a acompanham.
"Hécate,
diz Creuzer, quer dizer aquela que age de longe, ou aquela que afasta, que
repele. Ofereciam-se-lhe sacrifícios expiatórios, espécies de lustrações
domésticas feitas pela fumaça, celebradas no dia 30 de cada mês, e onde eram
objetos essenciais ovos e jovens cães. Os restos (lesses animais e das demais
ofertas, reunidos a muitos comestíveis, deviam ser expostos nas encruzilhadas,
e diziam-se o festim de Hécate. Muitas vezes os pobres e os cínicos saqueavam
esses restos com uma avidez que para os antigos era o sinal da extrema
indigência ou da última baixeza. O cão era o animal consagrado a Hécate. Alguns
monumentos mostram tal deusa tendo um cão ao colo, a quem parece acariciar.
Representavam-na também com uma cabeça de cão, e talvez fosse aquela a sua
antiga forma mística, a forma sob a qual era adorada nos mistérios da
Samotrácia, onde se imolavam cães em sua honra. Hécate tinha também os seus
mistérios, particularmente em Egina; e a instituição se prendia a Orfeu.
Viam-se na ilha várias estátuas da deusa, uma das mãos de Miro, com um só
rosto, outras com três, atribuídas ao famoso Alcameno."
Hécate
na Teogonia.
No
hino a Hécate (vv. 404-53), ao exaltar os poderes e privilégios dessa Deusa,
Hesíodo diz que:
"de quantos Deuses
nasceram da Terra e do Céu "e receberam honra, de todos ela obteve um
lote; "nem o Cronida a violou nem a despojou
"do que recebeu entre
os antigos Deuses Titãs,
"e ela tem como
primeiro no começo houve a partilha." (vv. 421-5)
Portanto
Hécate, no reinado de Crono, não se encontra no número dos
"não-honrados" e "sem-prêmios" (cf. v. 395), mas, bem ao
contrário, nesse reinado ela obtém um lote (ékhei aisan, v. 423) de quantos
Titãs nascidos da Terra e do Céu receberam honra (timèn élakhon, v. 422). E os
poderes de Hécate ainda se multiplicam,
porque, no reinado
de Zeus, ela
não só conserva "o que
recebeu dos antigos Deuses Titãs" (v. 421), mas também Zeus, além de
honrá-la e conceder-lhe:
"esplêndidos dons,
"ter parte na terra e
no mar infecundo" (vv. 412-3),
"afez nutriz de jovens
que depois dela
"com os olhos viram a
luz da multividente Aurora. "Assim dês o começo é nutriz de jovens (...)".(vv.
450-2)
Hécate só
pode ter sido
"nutriz de jovens"
(kourotróphos) por uma outorga de Zeus que lhe tem valido
"dês o começo" (ex arkhês), i.e. desde o seu nascimento, num universo
cujos eventos não se organizam segundo o princípio cronológico
do antes-e-depois, mas
segundo o princípio
crato- ontológico da força-de-ser.
Hécate,
por obra de Zeus, já nasce nutriz de jovens (v. 452); e para que isso assim se
dê, ela deve nascer na fase cósmica do reinado de Zeus (se não, como Zeus poderia
lhe outorgar tão honrosa função?). No entanto, consoante diz o v. 414,
"ela também do Céu constelado partilhou a honra" — e isto significa
que Hécate transita para a fase cósmica em que o Céu ancestral copula
desordenada e proliferantemente com a Terra-Mãe? — Pode ser. — De todo modo, os
vv. 421-5 supracitados indicam claramente que ela vive honrada e
apanagiosamente na fase cósmica do reinado de Crono.
Se há
uma sucessão das
três fases cósmicas
numa ordem em que
primeiro há a do Céu primordial, depois há o kósmos de Crono e em terceiro a
realeza de Zeus, — neste caso, Hécate remonta da última (reinado de Zeus)
para a
primeira (reinado do
Céu) e instala-se
na segunda (reinado
de Crono).—O que significa
que essa "sucessão" não
é uma seqüência rigorosamente pautada pelo
princípio cronológico do antes-e-depois.
Ou,
então, Hécate — que é desde seu nascimento {ex arkhês) nutriz de jovens por
outorga de Zeus — não nasce sob o reinado de Zeus; e, neste caso, a Grande Partilha
(pela qual Zeus instaura e impõe a sua Ordem e a sua Justiça) determina e
ordena fatos que, numa perspectiva cronológica pautada pelo antes-e-depois,
deveriam dar-se antes dessa mesma Grande Partilha. — Donde se conclui que não
tem sentido nem função na Teogonia o princípio cronológico do antes-e-depois.
De fato, segundo uma leitura da Teogonia, de acordo com esse princípio o cruel
comportamento de Crono para com seus filhos é motivado por uma decisão da
vontade de um Zeus ainda por nascer. Crono, soberano, engolia os seus filhos,
tão logo nasciam,
"pois soube da Terra e
do Céu constelado
"que lhe era destino
por um filho ser submetido "apesar de poderoso, por desígnios do grande
Zeus". (v. 463-5)
Hino
a Hécate na Teogonia vv.404-452
Febe
entrou no amoroso leito de Coios e fecundou a Deusa o Deus em amor, ela gerou
Leto de negro véu, a sempre doce, boa aos homens e aos Deuses imortais, doce
dês o começo, a mais suave no Olimpo. Gerou Astéria de propício nome, que
Perses conduziu um dia a seu palácio e desposou, e fecundada pariu Hécate a
quem mais Zeus Cronida honrou e concedeu esplêndidos dons, ter parte na terra e
no mar infecundo.
Ela
também do Céu constelado partilhou a honra e é muito honrada entre os Deuses
imortais. Hoje ainda, se algum homem sobre a terra com belos sacrifícios
conforme os ritos propicia e invoca Hécate, muita honra o acompanha facilmente,
a quem a Deusa propensa acolhe a prece; e torna-o opulento, porque ela tem
força.
De
quantos nasceram da Terra e do Céu e receberam honra, de todos obteve um lote;
nem o Cronida violou nem a despojou do que recebeu entre os antigos Deuses
Titãs, e ela tem como primeiro no começo houve a partilha. Nem porque filha
única menos partilhou de honra e de privilégio na terra e no céu e no mar mas
ainda mais, porque honra-a Zeus.
A
quem quer, grandemente dá auxílio e ajuda, no tribunal senta-se junto aos reis
venerandos, na assembléia entre o povo distingue a quem quer, e quando se armam
para o combate homicida os homens, aí a Deusa assiste a quem quer e propícia
concede vitória e oferece-lhe glória. Diligente quando os homens lutam nos
jogos aí também a Deusa lhe dá auxílio e ajuda, e vencendo pela força e vigor,
leva belo prêmio facilmente, com alegria, e aos pais dá a glória. Diligente
entre os cavaleiros assiste a quem quer, e aos que lavram o mar de ínvios caminhos
e suplicam a Hécate e ao troante Treme-terra, fácil a gloriosa Deusa concede
muita pesca ou surge e arranca-a, se o quer no seu ânimo.
Diligente
no estábulo com Hermes aumenta o rebanho de bois e a larga tropa de cabras e a
de ovelhas lanosas, se o quer no seu ânimo, de poucos avoluma-os e de muitos
faz menores. Assim, apesar de ser a única filha de sua mãe, entre imortais é
honrada com todos os privilégios. O Cronida a fez nutriz de jovens que depois
dela com os olhos viram a luz da multividente Aurora.
Assim
dês o começo é nutriz de jovens e estas as honras.
Hinos à Hécate:
Hino
Órfico a Hécate
Enódia
Hécate celebro, Trívia, amável,
celeste,
terrestre e marinha, de cróceo véu,
tumular,
celebrando baqueus entre almas de mortos,
Filha
de Perses, amiga do ermo, que se ufana com cervos,
noturnal,
protetora dos cães, rainha inflexível, (5)
do
frêmito feral, sem armas, de forma incombatível,
pastora
de touros, soberana detentora das chaves de todo o cosmo,
hegêmone,
ninfa, nutriz de jovens, andarilha das montanhas.
Suplico,
donzela, que compareças aos consagrados ritos,
benfazeja
ao boiadeiro e sempre com um grato coração. (10)
(Tradução:
Rafael Brunhara)
Hino
Órfico a Hécate
Hécate
Einodia, Trioditis [Trivia], amável dama,
da
estrutura terrestre, aquática e celestial,
sepucral,
em um véu de açafrão vestida,
satisfeita
com fantasmas escuros que vagueiam pelas sombras;
Perséia,
deusa solitária, saúdo-te!
Portadora
da chave do mundo, nunca condenada a falhar;
em
cervos rejubila-se, caçadora, vista noturnamente,
e
arrastada por touros, inconquistável rainha;
Líder,
Ninfa, enfermeira, a que vaga nas montanhas,
ouça
os suplicantes que com ritos sagrados teu poder veneram,
e
arraste-se para perto do vaqueiro com uma mente favorável.
(tradução
da Alexandra)
Hino
Órfico a Hécate:
À
Hécate dos três caminhos / e encruzilhadas eu canto;
No
céu, na terra e no mar, / de açafrão é seu manto.
Nas
tumbas celebrando Baco, / se une às almas dos mortos;
Filha
de Perses, solitária, / ela se delicia em cervos.
Irresistível
rainha, / à noite ela os cães assiste;
Em
grito às feras, desarmada, / a ela ninguém resiste.
Rainha
e senhora do mundo, / de touro é sua tiara;
Líder
das chaves, cuidadora, / pelas montanhas ela caça.
Seja
presente, ó donzela, / em prece aos sagrados ritos;
Ao
devoto sê propícia, / ó sempre alegre espírito.
(tradução
da Alexandra)
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